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20 de set. de 2011

O bom juiz


Num pais onde Onassis é Doda e Jackie é Roriz, numa semana em que o conceito de desfaçatez sorridente foi redefinido em Brasília, chega a ser engraçado defender um vilão tão consagrado. O que esse texto vai propor é algo em que você, leitor, não acredita: o juiz de futebol brasileiro é bom. Ao contrario do que você sempre leu e ouviu – ele apita bem, erra menos do que se diz – e raramente é ladrão.

O juiz de futebol (árbitro – regra 05) é um personagem peculiar – um réu mudo, que há eras desmoralizou a presunção de inocência. Ele não erra – ele rouba. Ele não se engana – ele manipula. Num facebook ou num twitter perto de você, a cada rodada, pululam injúrias, calúnias e difamações contra apitadores desconhecidos – ou vagamente conhecidos. E o que eles dizem? Nada.

Aqui e ali entram na justiça – ganham um processo ou outro. Mas a perseguição continua – jogando na mesma vala todo árbitro – seja ele honesto, santo, bandido, competente, incompetente, safado ou não. A análise do juiz de futebol é sempre crua: acertou – é obrigação. Errou – é cadafalso. Se escutarmos a mesa redonda ou de bar vamos concluir que não temos um bom árbitro de futebol no país. Temos apenas apitadores que oscilam entre horrorosos e/ou venais. Quantas vezes você já ouviu dizer: “Eles são todos ruins”?

Será que são? Ou será que estamos diante de mais uma redução falaciosa e óbvia – que é mais “digerível” do que as proverbiais “explicações complexas”?

Se os fatos, esses chatos, desmentem o complô – bom, pior para eles. Claro que teórico da conspiração que se preze nunca se dá por vencido. Há sempre uma explicação para o cabal desmentido da realidade – uma tangente, um drible… Chorãozinho e Chororó tem sempre um jeito de reclamar da arbitragem. O torcedor de futebol sempre acha:

a) que o juiz é ladrão

b) que o juiz rouba seu time

c) que se o juiz errar a favor do seu time… bom, acontece.

O aplauso do árbitro, como se sabe, é o silêncio. Ele é o ponto de equilíbrio numa arena repleta de gente movida à paixão. O sujeito tem que ser racional, manter a serenidade, não pode comemorar acerto nem demonstrar excitação. E caso consiga acertar tudo – passar por 90 minutos sendo xingado e tomando decisões a todo instante e controlando os ânimos ensandecidos de 22 sujeitos… o que recebe? Uma taxa de arbitragem, um cumprimento aqui, outro ali.

Tomemos um caso ocorrido no jogo Botafogo e Fluminense jogou no Engenhão pela 19º rodada do campeonato brasileiro. O distinto leitor se lembra do nome do apitador da partida? Pois bem – ele atende por Felipe Gomes da Silva. Felipe não errou quase nada naquele jogo – e por isso você não se lembrava dele. Para atingir este objetivo, ele precisou de sangue frio ou – melhor dizendo – de “sangue de barata gelado”. O juiz de futebol é um engolidor de sapos. No Engenhão, as câmeras mostraram em dois momentos esse talento… no primeiro, Elkeson se vira para o bandeirinha e questiona, quase com ternura:

- Você é cego? Você é cego?

No outro, Fred – com traços de fidalguia – argumenta educado com sua senhoria:

- Você tá de sacanagem? Você tá de sacanagem?

Sua excelência deve economizar emoções (e cartões). Ter audição seletiva. Ser frio como uma barata ou uma alface. Imagine você, no meio da rua, ouvindo comentários como os acima? O juiz de futebol é um iglu com uniforme furtacor e apito na boca. E… então? E daí que Felipe apitou bem e errou quase nada? Sua ótima arbitragem passou despercebida – como toda ótima arbitragem. Para a massa torcedora – ele continua um solerte desconhecido. Só lembramo-nos dos juízes quando eles erram.

E eles erram claro, afinal são humanos e não tem 15 câmeras com replay. É muito fácil dizer que os juízes são ruins na poltrona, com dezenas de ângulos em câmera lenta. Na hora – sem câmeras, robôs, videoteipes… é simplesmente difícil apitar. A comparação gera o clichê primário – de que todos os juízes são ruins. Não são – simples assim. Eles são humanos. Só que eles só são lembrados quando fazem bobagem.

Isso não quer dizer que todos os juízes sejam honestos… e que não existam armações… ou tentativas. Pressões e trabalhos de bastidores estão aí desde que a bíblia era rascunho. No Rio, já houve dirigente de arbitragem que disse “ninguém pode fazer resultado sem avisar a Federação”. E, bom, estamos no Brasil… onde receber grana ilegal por cima da mesa não é considerado estupro de decoro.

Ou seja – é claro que existem juízes desonestos e ruins. Como existem médicos desonestos e ruins, jornalistas desonestos e ruins, jogadores desonestos e ruins, cartolas desonestos e ruins. Não existe é uma organização sinistra e penumbrosa – repleta de ternos cinzentos e cigarros com guimbas pendentes – conspirando para acertar tudo por trás dos panos. Nossa escumalha não é – nunca foi – tão organizada assim. Mas se até nós cronistas caímos na tentação de jogar todo árbitro na vala comum da incompetência ladra – prestamos um desserviço ao leitor – e ao torcedor.

Por Gustavo Poli – coluna na integra no site globoesporte.com – Coluna Dois, o futebol além das quatro linhas.
Foto: Árbitro Felipe Gomes da Silva - CBF/RJ, extraida do blog Apito do Bicudo.

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