“Que mostra que nem sempre a ‘Regra é Clara’: quais as mãos que ‘tiram’ ou não um impedimento?”
A expressão cunhada pelo ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho de que a “Regra é Clara”, caiu há tempos no gosto popular. Claro, repetida como um mantra nos jogos da principal emissora de televisão país tinha que se tornar uma verdade pelo senso comum. Mesmo que ela não seja em alguns casos.
Uma situação que contraria o bordão pode ser um detalhe da Regra 11 (Impedimento): Discernir a famosa “mesma linha” de um impedimento. O que é a ‘mesma linha’?
Tenho num caderno de anotações de uma das Pré-temporadas que participei em preparação ao Campeonato Paulista (2004), onde está grifada a expressão: “tronco, cabeça e pé devem ser levados em conta e MAIS NADA” (rabiscos de uma discussão sobre o tema). Isso se refere a distinguir a mesma linha: se o tronco, cabeça e pés do atacante da equipe A e os equivalentes do zagueiro da equipe B (que é o penúltimo jogador adversário) estão em mesma linha, segue o jogo. Mas estando o pé do atacante à frente, mesmo com o tronco em mesma linha, dá-se o impedimento. Entretanto, se for à mão desse mesmo atacante ao invés do pé, não se dá o impedimento, pelo fato de que o atacante não pode dominá-la (seria falta, pelo uso indevido das mãos na bola, infração da regra 12).
Mas e se a mão fosse do adversário?
Ôpa! Aqui vem a discussão inteligente. Vamos lembrar a Regra 11? Em suma:
“O jogador estará impedido se estiver mais próximo da linha da meta adversária exceto se tiver dois ou mais atletas entre eles ou em mesma linha não valendo impedimento para lances de escanteio, arremesso lateral, tiro de meta ou quando o jogador é lançado de seu próprio campo.”
Ele estará em impedimento ativo quando:
1- Interferir ativamente no lance, tocando-a;
2- Interferir contra um adversário;
3- Interferir por tirar proveito da sua posição.
A polêmica começa a surgir nas diretrizes da Regra do Jogo 2012:
Impedimento “mais próximo da linha de meta adversária” significa que qualquer parte de sua cabeça, corpo ou pés encontra-se mais próxima da linha de meta adversária do que a bola e o penúltimo adversário. Os braços não estão incluídos nessa definição.
Se preferir o texto original, estão na pág. 102 do livro de Regras que a FIFA disponibiliza em seu site, na seção de “interpretação das regras” (Interpretation of the Laws of the Game and Guidelines for Referees):
“nearer to his opponents’ goal line” means that any part of a player’s head, body or feet is nearer to his opponents’ goal line than both the ball and the second-last opponent. The arms are not included in this definition.
Portanto, não há dúvida na tradução: braços (e consequentemente mãos) do jogador da equipe que ataca é proibida. Claro, afinal, se ele tocar a bola com as mãos ou braços, é infração punível com tiro livre direto ao adversário. Portanto, não podem ser levados em conta no impedimento, pois não se joga com esses membros.
Porém…
Quem disse que isso vale também para a equipe que defende?
Toda a atualização, não só na carreira de um árbitro, mas na vida profissional e pessoal de qualquer cidadão, se faz necessária. E quando se tem amigos mais competentes que você, nada melhor do que trocar informações, ouvir, discutir e aprender. Sendo assim, liguei ao nobre professor Gustavo Caetano Rogério, meu formador como árbitro de futebol (e de centenas de outros árbitros – e que curioso- os FIFAs de São Paulo de hoje são todos formados por ele, quando a frente da CEAF-SP e da EAFI, em conjunto com Antônio Cláudio Ventura). No bate-papo, a lembrança da existência do Espírito da Regra do Jogo para se elucidar dúvidas do texto (no futebol, deve-se buscar e privilegiar o gol sem nunca produzir benefícios ao infrator). E o consenso (aliás, dois consensos):
CONSENSO 1 - a regra é obscura se há equivalência na interpretação da mão do zagueiro estar na frente da mesma linha do corpo (ela importa ou não para avaliar o impedimento?), pois, afinal, o texto só fala da exclusão da mão do atacante, mesmo estando mais próxima da linha de fundo adversária. Portanto, a regra não é clara (nem sua diretriz) sobre CONSIDERAR OU NÃO A MÃO/BRAÇO DO ZAGUEIRO. Você pode interpretar que se ele não é um atacante, e pela omissão da regra, poderia levar em conta esse mesmo braço do zagueiro adversário e considerá-lo um elemento que dê condição ao atacante. Só que também pode interpretar que, assim como o atacante não pode fazer uso das mãos, o penúltimo jogador zagueiro também não. O consenso é: a redação da diretriz deixa a dúbia interpretação.
CONSENSO 2 – e se o penúltimo jogador da defesa for o goleiro? A regra fala em second-last opponent, ou seja, o segundo último oponente, que pode ser zagueiro ou goleiro. Imagine o lance: Bola lançada para o centroavante da equipe A, que é o jogador mais avançado da equipe que ataca, e está posicionado dentro da área penal. Quando a bola é lançada, por motivos quaisquer do jogo, o zagueiro da equipe B, que defende, está embaixo do travessão, e o goleiro da equipe B na mesma linha do atacante A. Se o goleiro estiver com a mão esticada em direção à sua linha de meta, DEVE-SE CONSIDERÁ-LA; afinal, ele pode usá-la dentro da área penal (coisa que o zagueiro não pode).
E aí, confesso que fico na dúvida: o ‘dito-cujo’ que escreveu a regra não cita nada em relação ao adversário propositalmente, pela específica situação do goleiro, acreditando que os especialistas dirimiriam facilmente essa questão (zagueiro nãoleva em conta a mão e goleiro leva, portanto a não especificação no texto), ou simplesmente redigiu de maneira duvidosa e inconscientemente, não levando em conta a discussão “se do atacante pode, do zagueiro também poderia ou não?”.
Penso que a segunda hipótese é a correta. E entendo o seguinte (aqui, é interpretação pessoal): apesar de o texto citar a mão/braço do atacante e se omitir em relação ao zagueiro, ambas não podem ser levadas em conta no impedimento (exceto o goleiro da equipe que defende, pois pode fazer uso delas). A questão de se citar o atacante seria apenas um reforço para a afirmação da ideia de que só podem ser analisadas as partes ‘jogáveis’ para saber se alguém está à frente (por isso a citação de cabeça, tronco e pés, e o lembrete: braço/mão não pode). Valeriam, por tabela, a um suposto zagueiro.
Cá entre nós: 44 minutos do 2º tempo os seja 89 minutos, um time precisando ganhar e no ataque, o outro tem até o presidente dentro da área penal, pois não pode perder… Será que os jogadores e torcedores teriam paciência em lembrar-se desses detalhes da regra e da discussão se ‘pode ou não pode’? Vai poder para quem interessar e não vai poder para quem se sentir prejudicado…
E você, o que pensa sobre tudo isso? Deixe seu comentário:
Por Professor Rafael Porcari
Professor Gustavo Rogerio Caetano - deixo aqui uma agradecimento em especial pois tanbem fui um dos seus alunos na EAFI (Escola de Árbitros Flavio Iazzeti - Federação Paulista de Futebol).